Eu tenho experiência na área financeira e contábil de grandes empresas, convivendo diariamente com auditorias, investidores, due diligence e números que realmente precisam fechar.
E, ao longo de quase 40 anos acompanhando a gestão financeira de negócios, uma coisa sempre me chamou atenção:
Quanto menor a empresa, maior a tendência de acreditar que “história” substitui números.
Vi isso acontecer centenas de vezes: empreendedores visionários, com negócios excelentes e produtos inovadores, mas que, ao buscar investimento, tropeçam no mesmo ponto:
Falta de consistência financeira.
Não é má fé. Não é incompetência. É simplesmente uma realidade: pequenas e médias empresas crescem rápido, inovam rápido, mas estruturam suas finanças devagar.
E isso se repete de forma quase cirúrgica em todas elas.
1. O Caso Que Se Repete: Grandes Ideias com Baixa Estrutura Financeira
Empresas inovadoras, como o caso da MULTKEG, normalmente têm:
Produto validado
Mercado em expansão
Forte apelo ESG
Estratégia comercial clara
Tecnologia proprietária
Narrativa convincente
Mas quando o investidor abre a pasta “FINANCEIRO”, a história muda:
Nada de DRE histórico
Nada de fluxo de caixa formal
Nada de balanço patrimonial
Nada de análise de custos
Nada de margem por produto
Nada de ponto de equilíbrio
Nada de projeções sustentadas por premissas técnicas
Em outras palavras: uma empresa madura com números imaturos.
E isso anula o interesse de qualquer investidor profissional, inclusive os mais dispostos a correr risco.
2. Por Que Isso Acontece Tanto em Pequenas e Médias Empresas?
Existem 5 causas principais:
O empreendedor foca no produto e não no financeiro: É natural que a operação e as vendas consumam energia. O financeiro vira “depois eu vejo”.
Contabilidade é tratada como obrigação fiscal, não como gestão: Ou seja, serve para pagar imposto, e não para orientar decisões.
Falta de cultura de indicadores: Sem DRE gerencial, sem fluxo de caixa, sem margem por produto, sem curva de demanda.
Projeções baseadas em sentimento, não em modelagem: A frase mais comum que ouvi nesses 40 anos é “A gente sabe que vai dar certo”, mas não tem planilha, não tem premissa, não tem cálculo.
Subestimação do investidor: Principalmente quando o investidor é estrangeiro. O investidor brasileiro já é exigente; o latino-americano ou europeu é ainda mais.
3. Onde as Empresas Mais Erram ao Preparar a Parte Financeira?
Erro 1 – EBITDA sem demonstração
Falar “minha margem EBITDA será de 30%” é um erro gravíssimo sem apresentar:
CPV detalhado
Custos fixos e variáveis
Produtividade
Volume mínimo
Análise de sensibilidade
Erro 2 – Projeções lineares e otimistas
O empreendedor prevê crescimento de 50% ao ano sem histórico, base de clientes, contratos firmados, curva de maturação real ou capacidade instalada comprovada. O investidor percebe na hora.
Erro 3 – Falta de valuation técnico
Valuation não é “quanto eu acho que vale”, nem “quanto o mercado pagaria”, nem “meu vizinho vendeu por tanto”. Valuation exige:
Fluxo de caixa descontado
Análise de risco
Premissas auditáveis
Múltiplos comparativos reais
Erro 4 – Falta de um Data Room
Empresas chegam ao investidor com apresentações bonitas, gráficos modernos e narrativa envolvente, mas sem nenhum documento básico (DRE, BP, DFC, contratos, KPIs operacionais, composição de custos, implantação de governança). Sem isso, a conversa não avança.
4. A Consequência: Investidores Saem Pela Porta de Trás
Investidores – especialmente estrangeiros – não dizem “Seu financeiro está ruim”.
Eles dizem:
“Vamos analisar e te damos retorno.” (e nunca retornam)
“Talvez em outra fase do projeto.”
“O mercado está incerto no momento.”
Isso é um “não” educado.
E pior: o empreendedor muitas vezes nem percebe que o problema é financeiro, não estratégico.
5. O Que Uma Empresa Precisa Para Ser Atraente a Investidores
Existem seis pilares obrigatórios para qualquer negócio que queira capital:
Demonstrações financeiras completas (mínimo 3 anos): DRE, BP, DFC e notas explicativas.
Análise profissional do EBITDA: Histórico, ajustado, projetado, unitário e por unidade de negócio.
Estrutura de custos detalhada: Custo por produto, margem bruta, margem operacional e ponto de equilíbrio.
Premissas técnicas para projeções: Nada de “achismo”. Tudo documentado: produtividade, curva de adoção, capacidade instalada, etc.
Valuation formal: DCF + múltiplos + benchmarking do setor.
Data Room organizado: O investidor precisa ter confiança de que a empresa sabe o que está fazendo.
6. Conclusão – O Que Aprendi em 40 Anos
Depois de quatro décadas vendo empresas nascerem, crescerem e algumas infelizmente desaparecerem, aprendi algo simples:
Financeiro não é burocracia. É sobrevivência.
E na hora de captar investimento, a verdade é brutal: Grandes ideias encantam. Mas são os números que fecham o negócio.
Empresas como a MULTKEG têm enorme potencial, mas para transformar potencial em capital, precisam de disciplina financeira, transparência e modelagem profissional.
A boa notícia? Isso pode ser corrigido. E quando é feito, o investidor volta para a mesa.